Comecei a assistir a série The Crown porque uma das minhas alunas – ensino inglês on-line – é fã da Monarquia.
Como as aulas são personalizadas procuro adequar os tópicos de conversação aos interesses dos alunos.
Assim iniciei minha jornada pela realeza britânica na série The Crown, criada e escrita por Peter Morgan para a Netflix.

Achei interessante, mas não especial como o Gambito da rainha.
Entretanto, a quarta temporada de The Crown me cativou.
Mostra outras mulheres no poder além da rainha: Margaret Thatcher e Lady Diana.
Morei na Inglaterra durante 3 anos (se você ainda não viu) e em nenhum momento quis saber sobre a monarquia, talvez porque nossa tradição não envolva rainhas, príncipes ou princesas.
Ou porque aquela realidade era muito distante da minha, economizando centavos comendo em pé nos takeaways em Londres e trabalhando com o que aparecia para bancar minha estada em terras inglesas.
A despeito do meu desinteresse percebia que os tabloides eram a maior atração para o povo local.
A monarquia era objeto de conversas acaloradas nos pubs e desculpa para mais um *pint de cerveja.
Permaneci alheia as fofocas dos folhetins britânicos.
A única vez que a monarquia me chamou atenção foi quando Lady Di morreu.

Logo após o Andrew Morton publicou novamente Diana: sua verdadeira história.
O escritor, à época, falou que o livro era baseado em conversas secretas compartilhadas com Diana.
Esperou até a sua morte para revelar a fonte secreta do livro.
Sua história conturbada me impressionou, bem como a personalidade, no mínimo diferenciada dos demais membros da realeza.
Era um ser humano como nós todos somos.
Com falhas, mau humor, tédio e por vezes alegria. A luta constante pelo corpo ideal, a bulimia, a depressão pós parto.
Tudo isso fazia de Diana uma pessoa de carne e osso.
Não é à toa que as pessoas se identificavam com a princesa de Gales e prestavam tantas homenagens por onde ela passava, mesmo após a sua morte em 1997 continua viva no imaginário coletivo.
A princesa visitava acamados nos hospitais, abraçava as crianças e cumprimentava as pessoas na rua.
Tudo aquilo – diferente dos políticos – me parecia genuíno.
A atuação de Emma Corrin como Lady Diana Spencer encanta.
Atenção: os comentários a seguir contêm spoiler. Se ainda não viu a quarta temporada, pare de ler agora.
Trouxe uma dúvida saudável: Lady Di gostava da atenção que lhe era dispensada? Ofuscava o príncipe Charles de propósito como vingança pela traição constante com Camila?
Sempre achei que a exposição, os paparazzi, a vida de celebridade fosse um peso maior do que ela podia carregar.
De qualquer forma guardo Diana no coração como uma pessoa que demonstrava genuíno interesse pelo outro.
Enquanto os monarcas sempre me pareceram distantes, como se não pertencessem a esse mundo. Carregando preconceito pela plebe.

A impressão foi reforçada ao assistir a série.
Os monarcas caçam, cavalgam e viajam para a Islândia para pescar.
Tem a sua disposição aviões, helicópteros e casas de verão que na verdade são castelos.
Os contos de fadas de repente se tornam reais ao assistir a série, mas sem final feliz.
Simpatizei e antipatizei com a rainha diversas vezes durante as temporadas.
Parece-me uma criatura ingênua, forçada a um papel que ela não escolheu e ao mesmo tempo alheia (ossos do ofício?) ao que acontece debaixo do seu nariz.
No episódio em que Michael Fagan invade o Palácio de Buckingham, vai até o aposento da rainha e se senta na cama, fica claro quão alienígena são as condições de vida dos cidadãos britânicos para a rainha.
O início da quarta temporada é abrilhantado pela atuação de Gillian Anderson como Margaret Thatcher – minha conhecida do tempo do Arquivo X.

Por muito tempo pensei na dama de ferro como a força motriz da Inglaterra, alguém que fez mais bem do que mal ao país.
Mudei de opinião depois de compreender melhor o papel que ela representou durante a recessão na Inglaterra.
Pareceu-me um tanto preconceituosa e destituída de sensibilidade.
Uma mulher que se sentia diferente das outras propagando a sua capacidade de esconder as emoções.
Como se esconder o sofrimento ou coração partido fosse algo especial para uma mulher.
Todos os dias engolimos em seco e vamos trabalhar como se nada tivesse acontecido, deixando os problemas em casa ou na porta do escritório, evitando ser emocional ou tentando nos desviar de comentários como: “deve estar naqueles dias”.
Conceito reforçado pelo mundo machista que vivemos.
Triste fim Thatcher teve no meu coração.
Entretanto as interações entre ela e a rainha nas visitas semanais ao palácio, são brilhantes.
O comportamento, os modos sutis, a admiração que ela tem pela monarquia e o respeito pela instituição são demonstrados em cada visita.
A princípio a rainha gosta da ideia de ter uma mulher como primeiro-ministro, ao longo das conversas, entretanto, muda de ideia.
Percebe quão diferente daquilo que esperava é Margareth Thatcher.
A decepção é visível.

O artigo da época comenta sobre a inclusão de Thatcher e Lady Diana na quarta temporada como uma excelente estratégia de marketing:
Pode ter sido uma estratégia dramática apelar para a curiosidade do público sobre elas.
O dramaturgo britânico comenta que a série é tão somente uma interpretação dos fatos e não um documentário e acrescenta:
O exercício se complica ainda mais por incluir, desta vez, Diana Spencer e Margaret Thatcher, dois personagens emblemáticos da cena britânica sobre os quais quase todo mundo tem uma opinião (apaixonada) formada.
Só li verdades.
Incluo-me na passagem acima citada.
Tenho uma opinião formada acerca das duas, que ao longo do tempo vai se moldando àquilo que sou exposta.
A força e as contradições por trás das personalidades destas mulheres que procuravam se encaixar nos seus respectivos papéis na vida real sob o escrutínio minucioso de um mundo muito masculino entorpeceram o mundo
Se para nós, mero mortais, é complicado se encaixar num mundo masculino, fazer nossa voz ser ouvida – escrevendo livros, pintando ou apresentando obras de arte – imagina para uma mulher numa posição de poder?
O que deveria ser facilitado, pelo poder exercido, é dificultado pelo escrutínio da mídia a que são submetidas.
O poder da mídia destrói e constrói a imagem que quiser. Expondo e escondendo o que lhe convém no momento adequado.
O pessoal do omelete comenta na resenha:
Diana e Thatcher são os grandes destaques desta temporada de The Crown e é impossível chegar ao final dos episódios sem pensar o quanto a série evoluiu.
A série amadureceu na quarta temporada.
A guerra das Malvinas também ganha cor na quarta temporada.
Recordou-me uma argentina que conheci na viagem à Ha Long Bay.
Comentávamos sobre a necessidade de falar inglês fluentemente e ela me disse que havia estudado em Boston, ao passo que eu havia morado na Inglaterra.
Ela arregalou os olhos e disse que o país era um inimigo da Argentina acrescentando apaixonadamente: “não tenho o menor interesse na Inglaterra, acho o povo arrogante e o país sem graça”.
E falou ainda sobre a morte de argentinos na guerra das Malvinas, criticando a Inglaterra pelo “grito de guerra” e a consequente invasão do território.
Procuro não opinar sobre guerra, política ou religião, especialmente quando viajo.
O solo que pisamos como turistas é sagrado como o coração das pessoas que tocamos na jornada.

A vida política do destino visitado deve ser objeto de discussão dos cidadãos que lá vivem, não palpite de um passante.
Respeito o posicionamento da viajante argentina. Entretanto, não deixo de ter minha opinião.
Por mais ridículo que seja possuir um território além-mar (do outro lado do mundo) como se vivêssemos na época das grandes descobertas, as Malvinas são território britânico.
Defender o território atacando com navios, bombardeios e soldados num momento que a Inglaterra passava por uma recessão não foi a escolha mais inteligente.
Além disso, as vias diplomáticas permaneciam abertas a negociação.
Na série há uma sutil indicação de que o conflito foi iniciado em meio ao desaparecimento do filho favorito em um rali – Paris-Dakar.
Mostra ao espectador como o conflito interno – uma mãe em busca do filho em terras estrangeiras – influenciou a tomada de decisão.
Ainda assim, repito: o território pertence ao Reino Unido.
Defendemos nossa casa como nossas opiniões, não é assim?
A quarta temporada é de longe a melhor até agora, com o carisma dos personagens brilhantemente interpretados pelos atores.
A profundidade emocional desenhada de maneira delicada e os tons sutis como a caça ao cervo imperial.
A recepção dos membros da realeza não tem sido das melhores.
Ficaram incomodados com o retrato da monarquia apresentado pela série, mas como mencionado acima não é um documentário.
Mesmo que você não morra de amores pela monarquia vale assistir.
Nem que seja pela polêmica gerada em torno do assunto!
Boa jornada e boa semana acompanhando as repercussões da quarta temporada de The Crown!
*Pint é antiga medida inglesa e corresponde a 568 ml.
Parei na metade porque ainda não assisti a quarta temporada rs.
Quando terminar volto aqui para ler o resto 😉
Sim, tem muito spoiler. Aliás o texto inteiro é spoiler 😉 . Depois me conta o que achou. Beijos e boa temporada.