Mude
Mas comece devagar, porque a direção
é mais importante que a velocidade.
Mude de caminho, ande por outras ruas,
observando os lugares por onde você passa.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Descubra novos horizontes.
Edson marques – poema atribuído em geral a Clarice lispector.
Mudei.
Um mundo novo, de cores diversas, areias brancas e segurança. Abracei o inexplorado. Não, abraço o inexplorado todos os dias.
Preservo os olhos de turista. Aqueles de deslumbramento e surpresa.

Sim, estou adaptada. A moça do mercado pergunta pelo Jake- meu cachorro, me chamam pelo nome na academia e os caminhos que percorro já me são familiares.
Sei quanto tempo devo esperar no farol, conheço a dinâmica do bairro e os sons matinais.
Agora é o cortador de grama. Sobe o cheiro fresco pela janela. Mais tarde a terra molhada invade a sala. Durmo com o balançar de galhos. Embalada com o som da segurança.
Modo avião ? Voo nível Cruzeiro *.
Entretanto, mantenho os olhos de viajante.
Mudar de cidade é também entender a cultura local. E isso, meus amigos, eu ainda não entendo.
Como o povo se comporta, o sotaque, as etiquetas sociais não ditas, os olhares por vezes chocados, um comportamento inesperado, uma roupa mal-ajambrada , tênis no lugar de salto, chinelo ao invés de sapato.
As sutilezas de uma nova cultura, que eu abracei, abraço. Conforto e confronto. Não conheço ainda, mas estou a caminho.
Pertenço ? Penso na palavra pertencer.
Nunca pertenci, mesmo em São Paulo seguia sendo gaijin ( palavra japonesa para estrangeiro, forasteiro, que não pertence ao local), assim a terra segue incógnita.
Com prazeres a descobrir, sabores a desbravar e norte a construir.
Poesio minha alma nas árvores, azaleias e plantas exóticas, bem vinda primavera .
Que haja mais primaveras aqui e que elas durem para sempre. Farei anos aqui. Uma nova primavera.
Durmo e acordo com uma temperatura variada, vejo rugas, manhãs de sol , tardes de chuva.
Não penso mais no futuro .
Parei de controlar ou de querer fazê-lo. A Deus pertence ? A Deusa me auxilia na caminhada. Pego em sua mão e sigo sem bússola apenas com a certeza de estar bem acompanhada.
Amigos? Farei novos. Conhecidos ? Já tenho. Adaptar-se é viver. Mudar é preciso. Deslumbrar-se é fundamental.

Mantenho os olhos de turista. Eles me preservam. São antibiótico das decepções, bandaid de corações cansados e esperança de uma primavera duradoura, uma cura suave para corpo e alma exaustos.
A mão que se estende, o colo oferecido e o cafuné apreciado. Florianópolis me abraça sem apertar. Me acolhe sem sufocar. Me diz baixinho: seja bem vinda- fique mais um pouco.
Floripa é livre como eu. Aceita, percebe e aguarda. Observa, mas não se intromete. Espera com a paciência de uma tia viajada, mundana, secular. E ao mesmo tempo tradicional.
Minha saúde mental agradece.
Mudar é viver o novo. Semanas, anos e quem sabe minutos.
Mantenho os olhos de turista para não perder a inocência, mas aceitei a cidade. Abracei, confortei e confrontei as diferenças. Não sou daqui, mas também não sou de lugar algum.
E talvez, quem sabe, fique mais um pouquinho.
Mantenho os olhos de turista para me deslumbrar todos os dias.
Obrigada Florianópolis pela acolhida.
* Nível de voo que se mantém durante uma etapa considerável da viagem em virtude de, geralmente, a operação da aeronave ser favorecida com velocidade ótima e menor consumo de combustível. Definição da ANAC.