Saber de onde viemos nos faz chegar ao destino que queremos alcançar

Ao abrir o zíper das sacolas de viagem, saia um odor de talco para os pés – de uma delas. O adocicado dos comprimidos coloridos de outra.

Hipocondríaco não assumido, meu pai viajava com uma sacola de remédios, duas toalhas – uma exclusiva para os pés – e as roupas cuidadosamente arrumadas na outra.

Confesso que a cada retorno eu aguardava o momento que a água começava a cair – meu pai no banho – na ponta dos pés ia até o quarto e fuçava as sacolas até encontrar os gibis – produto proibido para criança.

Tex. Fantasma. Mandrake. HQs vintage – será que ainda existem? Foram eles que me estimularam a ler.

Érico Veríssimo e Machado de Assis enfiados goela abaixo não fizeram o efeito desejado, mas os quadrinhos me transportaram para um mundo de fantasia, confortável e convidativo.

Aquele cowboy era preto e branco, mas coloriu a minha infância na mesma.

Mais tarde – como eu continuava lendo os gibis “proibidos” – ele comprou Tio Patinhas, A turma da Mônica, Luluzinha, Recruta Zero. Tantas viagens em tão poucas páginas.

E do meu pai além do amor pela leitura, herdei o nome e o nomadismo. A inquietude aplacada momentaneamente pela ioga. O nomadismo – não sou árvore – controlado no momento.

Embora os ventos do sul comecem a soprar e a coceira se estabelece vez por outra.

Já estou aqui há quase dois anos? Está na hora de mudar – sussurra a voz da inquietude, quase ansiosa, herdada do meu pai – que me apresentou o universo em formato HQ.

Neles eu comecei a viajar pelas letras, passei por fases até chegar ao destino chamado livro.

Descobrir o que de fato faz a alma cantar demora – uma longa viagem pelas areias douradas do Saara em noite de lua cheia. Chegar na fronteira da Argélia é uma possibilidade.

Voltar? Nunca. Passadas milhas, perrengues, bolhas nos pés, ninguém volta; cheguei até aqui agora só em frente.

Essa jornada me levou até a mitologia, cuja semente foi plantada na Grécia (e nas aulas de história anos antes).

Como dente-de-leão se espalhou até o Egito e de lá meu amigo, o mundo parecia não ter fim. Nem a fome de conhecimento. E muito menos a certeza de que quanto mais vejo, nada vejo.

A corrente invisível da curiosidade. Aquele gibi Tex me levou até a Grécia, escrevi um livro anos depois, publiquei mais dois.

Larguei emprego, mudei de cidade e adotei um cachorro – não necessariamente nessa ordem.

Como cheguei aqui?

Quadrinhos. Fonte da imagem: unsplash.

E se eu não tivesse fuçado as malas do meu hipocondríaco pai? Pegado os gibis as escondidas? Comido marmitas e contado centavos para alimentar meus vícios – viagens e livros?

E se?

Para essa dúvida há um remédio, que venho receitar – no modo hipocondria: reconte a história da sua vida – ainda que seja só para você, em voz baixa – assim o vizinho não ouve.

E responda à pergunta: O que te levou até onde você está agora? Refaça a jornada das suas paixões: de onde elas vêm?

Fuçe as malas do seu passado, averigue suas paixões.

Saber de onde viemos nos faz chegar ao destino que queremos alcançar.

Você sabe de onde vem suas paixões?

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