Meu vizinho Gabriel acaba de mudar.

Estamos lado a lado. No primeiro andar.
Compartilhamos uma sacada e a escada – ambos preguiçosos para lavar a dita cuja.
Todos vem de fora nessa pequena vila.
Uma espécie de ONU, mas nacional: Brasília, São Paulo, Joinville.
A grande maioria solteiros, sem laços permanentes e nômades de alma.
Recomeçamos numa cidade onde não há ligação com o passado.
Anonimato é tudo. Privacidade é preciosa.
Gabriel teve uma visita em sua casa, um cara que ele conheceu no Tinder.
Na noite anterior parado na escada me disse que estava animado com a nova criatura. Acrescentou que não faria barulho.
Somos tão cuidadosos com nossos vizinhos.
Não pedimos, andamos na ponta dos pés, não queremos ser um fardo.

Acordei com uma mensagem: você tem água? A minha acabou.
Peguei um litro na geladeira enchi, fiz uma garrafa de café e deixei na sua porta.
Em seguida mandei uma mensagem: está na sua porta, se precisar pode vir pegar água quando quiser. Tem comida aí? Quer que eu faça uma tapioca?
Ele respondeu com um “kkkk”, agradeceu e disse que alimentou os animais.
Lembrei do livro Manual do Mimimi, você já leu? A escritora fala justamente isso: alimente as feras.
Que pernoitam em sua casa, ainda que por um breve intervalo, faça dele uma eternidade.
Temos fome. De carinho, de afeto, de abraço.
Por um breve instante uma imagem surgiu: eu abrindo uma porta, há anos, para descobrir um bule de café e pães de queijo quentinhos numa cestinha, cuidadosamente alojados no batente.

Todos os dias a Dona Maria deixava, na porta do alojameno que eu ocupava temporariamente em São Paulo, café num bule esmaltado e pães de queijo numa cestinha de vime, cobertos com um pano de prato.
Deixava também embrulhado na cestinha, um punhado de atenção, uma xícara de doçura e uma porção generosa de cuidado.
Será que eu agradeci a Dona Maria? Propriamente, digo.
Afeto não tem preço, cuidado é subestimado e amor vem de todas as formas, com gostos variados e cheiros que lembram um tempo adocicado.
Recebemos tanto.
Por vezes recordamos apenas da cara quebrada, do coração estraçalhado. Das noites mal dormidas e das traições sutis dos amigos que não eram.

Proponho-me um exercício: lembrar ao acordar uma coisa boa que me aconteceu.
Reter essa lembrança. Pedir visto permanente para ela. Dormir de conchinha na noite seguinte. Dar um beijo de bom dia.
Obrigada a todas as Marias, os Joãos, os sem nome, mas com expressão. Os que passaram e deixaram sabor remanescente de carinho.
Retrogosto? Não é assim que fala?
O sabor que fica depois de engolido e degustado.
Quero mais retrogosto.
Adote um solteiro você também. Faça uma cestinha, coloque um panetone, embrulhe com um laço e deixe na sua porta.
Iluminar o dia de alguém pode parecer pouco, mas fica o retrogosto.
Mônica Barguil