Eu tinha dois vestidos de missa.
Aos domingos nos arrumávamos para ouvir a ladainha em latim na igreja nossa senhora de Fátima.
Um era rosa com desenhos geométricos em azul nos dois bolsos. O outro era amarelo.
Odiava os dois.

Nada tenho de amarelo por conta daquele vestidinho de babados e evito o rosa quanto posso.
Gosto de margaridas amarelas, entretanto. São simples. Guardam a alegria em sua essência.
A melhor qualidade.
A alegria parece que está dentro da inocência que por sua vez cabe dentro da ilusão como uma boneca russa (matrioska) – que vai se despindo em camadas.

Será que amadurecer é perder a capacidade de se iludir?
E se iludir é essencial para manter a inocência?
A ilusão e a inocência perderam a cor, como as fotografias de antigamente ou o fax, lembra do fax?
Será que a ilusão é rosa?
As duas guardam o sabor doce daquelas compotas da infância.
A de doce de mamão verde com coco. A maria mole.
Quando ganhava moedas da minha avó ia até uma espécie de padaria que ficava na esquina da rua maranhão e comprava maria mole.
A padaria/mercearia vendia de tudo. Folhas de papel almaço – para entregar os trabalhos da escola, doces e velas.
Sim, faltava luz dia sim e outro também. Vela era um item essencial.

Não havia celular com a lanterna. Havia lanterna, mas ficava escondida nas posses mais valiosas do meu pai – fora dos limites de uma criança curiosa.
Meu pai guardava seus tesouros como se valiosos fossem: suas ferramentas, apetrechos, acessórios com um enorme cadeado e seus remédios numa mala separada.
Hipocondria a gente vê por aqui. Auto medicação também. Não herdei dinheiro, mas as duas últimas pode ter certeza.
Ele atravessava a transamazônica em um fusca– cor de burro quando foge.
Vendia de lona a talheres de madeira. Por todo o norte do país. Frequentemente no carro havia toalhas – de péssima qualidade- com os nomes dos hotéis (o logo de antigamente?) em que ele se hospedava ao longo da jornada.
Quando tinha tempo nos colocava no banco de trás e percorríamos as estradas esburacadas e poeirentas.
E víamos o mundo.
Tão vasto me parecia.

Assim eu descobri desde cedo que todo carro quebra, que todo pneu fura, que às vezes você tem que passar a noite sob a luz da lua- racionando água e comida, aguardando um guincho, que as churrascarias de beira de estrada tem a melhor carne , que perrengue faz parte de toda viagem.
Meu pai me fez ver que o mundo era maior que nosso quintal – onde também havia uma exuberância verde.
E que liberdade é o melhor doce que existe.

Viajávamos com os cheiros de cacau e bacuri – que ele comprava ao longo do caminho e íamos comendo. As frutas exóticas como chamam hoje.
Os cheiros, as brigas, o baralho espalhado no banco de trás. Os aromas adocicados e azedos de criança que não toma banho.
As disputas de irmãos ou arengas como chamávamos no Nordeste.

